A morte de Eliseu Santos está envolta em dúvidas profundas e fatos que não estão recebendo a devida publicidade, como as investigações relativas ao Instituto Sollus e o possível envolvimento de Eliseu e outros membros da prefeitura no desvio de R$ 10 milhões em verbas provenientes da saúde da capital. A postura da polícia e da grande imprensa também tem contornos confusos e questionáveis.
Diante disso, convidei Marcos Rolim para uma entrevista sobre o tema. Rolim é ex-deputado estadual e federal pelo RS, jornalista, consultor em Segurança Pública e Direitos Humanos, além de membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. É membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa, integrando, ainda, o Comitê Nacional de Combate à Tortura.
Mirgon - Rolim, agradeço a sua disposição em conceder essa entrevista para o blog. O senhor tem sustentado que todos os indícios levam a crer que o assassinato de Eliseu Santos tenha sido uma execução, ao contrário do que os jornais e rádios têm veiculado em suas coberturas sobre a opinião das investigações. Que elementos são esses que o levam a discordar do rumo das investigações?
Marcos Rolim - Antes de responder esta primeira questão, gostaria de assinalar um aspecto da cobertura da imprensa que me parece relevante. Quem acompanhou as primeiras notícias sobre o assassinato e as matérias dos jornais de sábado percebeu que, depois disso, houve uma inflexão na cobertura da mídia que passou a assumir a hipótese do latrocínio. Uma das razões para esta mudança foi a de que a cúpula da Polícia Civil passou a tratar o fato como latrocínio antes mesmo que houvesse investigação. Quando coisas assim ocorrem pode apostar que há encrenca. Jornalistas possuem fontes nas polícias e, quase sempre, não mantém uma postura independente diante delas. A falta de formação na área e os laços de amizade e confiança que os setoristas vão construindo com suas fontes fazem com que, muitas vezes, os jornalistas se transformem em assessores de imprensa das polícias sem que se dêem conta disso. A propósito, uma polícia altamente profissionalizada não passa informações sobre rumos de investigação à imprensa, salvo quando esta atitude for importante para o sucesso da própria investigação.
Sobre os indícios, sabemos que furtos e roubos são “crimes de oportunidade”. A criminologia define assim aquele tipo de crime que, como regra, só ocorre quando os autores percebem uma oportunidade tida como favorável para a consumação. No caso, a oportunidade melhor para a abordagem da vítima se deu antes de Eliseu Santos acomodar mulher e filha no veículo. O fato dos autores terem esperado ele acomodar a família no carro para abordá-lo constitui uma evidência forte em favor da hipótese de execução. Na mesma linha, se o objetivo era roubar o carro, os autores poderiam tê-lo roubado após a morte da vítima. Ainda que não o fizessem, certamente levariam a pistola da vítima. Nada disso ocorreu, o que não bate com a conduta mais comum neste tipo de crime, mesmo quando há reação. Foi dito que os autores do crime eram “amadores” porque não usaram pistolas, mas revólveres. Digo que é mais “profissional” o assassino que usa revólver (desde que com munição de alto impacto), porque pistolas ejetam cápsulas que permitem à perícia informações relevantes sobre estojos e lotes de munição, etc. Revólveres não deixam este tipo de vestígio.
Não penso que seja uma coincidência o assassinato de dois médicos (Eliseu e Becker) – que se conheciam e que tiveram disputas na área da saúde – em um intervalo de pouco mais de um ano, em circunstâncias semelhantes, na mesma região da cidade, etc. É provável que exista relação entre os fatos. Esta hipótese, entretanto, é muito difícil para a Polícia Civil, porque pode colocar em questão as conclusões do inquérito sobre o assassinato de Becker. Haverá, além disso, problemas políticos de monta caso se confirme a hipótese da execução. Penso que tudo isso esteja conduzindo as investigações para uma conclusão apressada e errada ou, o que é pior, para uma conclusão mentirosa.
Mirgon - Segundo informação que o senhor postou no seu Twitter, os assassinos teriam tratado Eliseu pelo nome. O senhor confirma essa informação? Esse fato deveria ser determinante no rumo das investigações?
Marcos Rolim - Não sei se a informação é verdadeira. O que me foi dito por fonte confiável é que esta informação é de domínio da direção do PTB. Foi o que relatei no twitter: circula na direção do PTB que os assassinos chamaram a vítima pelo nome. É claro que se esta informação for verdadeira não restará dúvida sobre a natureza do fato.
Mirgon - Tendo sido realmente uma execução, uma das possibilidades é que tenha ligações com o caso Sollus. O senhor considera essa opção a mais provável? Por que?
Marcos Rolim - No caso de estarmos lidando como uma execução, o caso Sollus aparece – claro – como um tema importante. Não apenas pelos interesses envolvidos, mas por se tratar de escândalo recente. Lembremos que Eliseu havia prestado depoimento à PF na véspera. Não se pode dizer, entretanto, que o caso Sollus tenha maior probabilidade de estar na origem do assassinato, nem se deveria desprezar outras possibilidades. Para isso seria preciso conhecer melhor quem foi Eliseu Santos. Fomos deputados em um mesmo período e, embora nunca tenha tido uma relação próxima com Eliseu, lembro de ter ouvido dele, mais de uma vez, de que “prenderia o dedo” caso se encontrasse com um “vagabundo”. Sinceramente, Eliseu me parecia, desde aquela época, um sujeito capaz de “perder facilmente o contato com a torre”. Mais recentemente, fiquei sabendo que ele mantinha uma arma no porta-malas do seu carro, porque imaginava que assim teria chance de reagir caso fosse seqüestrado e colocado ali. Há alguns anos, Eliseu baleou um fotógrafo em uma discussão banal de trânsito em Porto Alegre e, por pouco não o matou. Isto evidencia um tipo de temperamento que o predispunha ao conflito, à ameaça, etc. algo, digamos, pouco evangélico. Óbvio que um sujeito assim faz muitos inimigos. Então, se confirmada a tese da execução, a polícia terá que lidar com muitas possibilidades, o que faz o caso mais difícil.
Mirgon - Para finalizar, o assassinato de Eliseu tem em comum com a morte de Marcelo Cavalcanti o fato de ter ocorrido em meio à investigações de corrupção que envolviam Eliseu no municipio e Cavalcanti no estado. A morte de Marcelo Cavalcanti nunca foi bem explicada e também restou dúvidas sobre um possível assassinato de queima de arquivo. Eliseu pode ter sido executado. Qual a sua opinião sobre esse momento de "faroestização" da política gaucha, antes tida como uma das mais qualificadas do país?
Marcos Rolim - Primeiro, penso que a política gaúcha nunca foi algo muito qualificado. Em um passado mais remoto, talvez. Mas nos últimos 50 anos, o que ocorreu com a política brasileira ocorreu com a política gaúcha. Houve uma desqualificação contínua em nossa representação parlamentar e se abriram possibilidades inéditas para a consagração eleitoral de máfias políticas nos governos. O fenômeno é generalizado e foi abatendo os partidos um a um. A pior notícia é que estamos no meio deste processo. Ou seja: ainda não chegamos ao fundo do poço. O que o RS teve, por um bom tempo, como diferencial foi uma sociedade civil mais organizada, mas ativa e consciente. Isto produziu um impacto na realidade institucional e fez com que os poderes funcionassem em um sentido mais republicano. Penso que estamos perdendo esta vantagem também pelo amesquinhamento do debate público, pelas simplificações oferecidas pela mídia, pela incapacidade que direita e esquerda têm demonstrado de revisar suas posições e se sintonizar com os grandes temas do mundo e da democracia.
A morte de Marcelo Cavalcante segue sendo um mistério. Na época, escrevi um artigo em ZH a respeito da seleção do afogamento por suicidas, com base em muitos estudos científicos, onde sustentei que as circunstâncias da morte dele desautorizavam a hipótese do suicídio. Sigo com esta opinião e, neste tempo todo, a Polícia Civil do DF não ofereceu uma só evidência capaz de contrastá-la. Francamente, acho que a Polícia não produziu o que poderia ter produzido, porque o governador do DF chamava-se Arruda.
Não acho que exista ligação entre as mortes de Marcelo E Eliseu. Mas é possível que exista uma característica comum entre as vítimas: ambos poderiam causar um estrago político considerável se contassem tudo aquilo que, provavelmente, sabiam.
Fonte: Blog do Mirgon
Parabéns pela abordagem do tema e pela escolha do entrevistado.
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